terça-feira, 7 de setembro de 2010

Louça empilhada

Os pratos sujos empilhados na pia, as taças manchadas sobre a mesa da sala. Silêncio. Tudo foi uma confusão de ontem. O torcicolo que me acompanha. Mal consigo abrir os olhos, porque as persianas mal ficaram fechadas. O fiapo de luz à procura do carpete. Meus cabelos espalhados sobre as almofadas, minha cabeça rodopiando no escuro da confusão, porque sobrou-me hoje. Restos de uma menina num apartamento vazio de amanhãs, esses dias intermináveis.


As náuseas que me visitaram pela manhã, não houve remédio que curasse. Chá de boldo aos baldes, mas a culpa da ressaca é pior do que a ressaca. E não cabe às taças de vinho me ensinarem qualquer lição, porque a raiva de mim mesma desvia-me da razão, então culpo o telefone, porque não estava sem som, pois esqueci de modificar a campainha, por isso então ele ligou. E eu atendi.


Não queria vê-lo, penso em outro. Mas a tremedeira que me dá por todo corpo, cabeça aos pés, só de enxergar seu número na tela de meu telefone celular, é involuntariamente desesperadora. Não respiro bem, esqueço de todas as consoantes, me agarro às vogais e outros apetrechos sonoros do idioma. Interjeições quase mudas, sinto meu rosto ferver pelas maçãs, e sinto uma vergonha repentina de tudo. Mas lembro que da nossa língua, só nós sabemos. E volto a existir.


Desta vez não me aprontei. Fiquei sem maquiagem, sem perfume. Camisola e calcinha. Não queria mais ser quem ele sempre soube quem fui, mas sim ser quem me tornei depois de me apaixonar. A paixão transforma a mulher e comigo não foi diferente. Mas hoje há outro que me deseja, que diz que me ama, mas ainda não sou esta que ele pensa ver, sou um intervalo entre a falta de amor e o excesso de zelo.


Quando ele chegou, garrafa de vinho à mão, eu já o esperava com as taças postas. Sem festa. Um beijo no rosto. Frio. Minhas maçãs murcharam. Mas bebemos, rimos e conversamos, mesmo quando eu já percebia que não havia mais sentido, porque meu tesão era da nossa história, do que vivemos e não do que fizemos de nós, do que nos tornamos. Mais bebida e mais comida, a última sede da fome que fomos. Fiz amor mas não amava mais. E meu pescoço dói, agora, por um motivo. Por isso, sorri das confusões do tempo e pensei: há muita louça para lavar.

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