domingo, 8 de julho de 2012

Girassol


Aconteceu de novo. O rasgo da lembrança no ar. Pétalas de mim. 

O dia em que você me deu a mão. Você não me conhecia, mas nem eu a mim. Soube lá. Quando você falou de Pessoa como se fosse seu melhor amigo. Amar é pensar, lembrei. Eu também não te conhecia e você me apresentou a Bernardo Soares. Você apareceu naquela noite quando eu não esperava nada. Quando pude olhar para mim e ter certeza que, sim, eu me permito. Eu me entrego. O calor da constatação sublime: quero amar de novo.

Não me importava com seus atrasos, justificados e perdoados por causa do seu sorriso lento. Também não me irritava com seu falatório bêbado e melancólico. Mas gostava de entrar no táxi e você saber de cor meu endereço. E quando me vi feliz, tive medo. Um medo que nunca tive antes, um temor de que poderia ficar vulnerável outra vez, que poderia, de novo, me ferir. Você me vem com Pessoa... A culpa é toda sua. Mesmo que eu seja punida por mim mesma. Porque seu olhar é nítido como um girassol. Ai, que raiva de vocês dois!

Vai acontecer sempre. Você aqui ao meu lado, segurando a minha mão, passando seu polegar sobre as costas da minha mão, dizendo que a minha mão é maior que a sua. Que seu uísque é caubói e que meu beijo é bom. Que gosta do que escrevo e como escrevo. Sem saber nunca que a sua língua se torna minha palavra e que a sua palavra me assusta.

Foi no dia do cinema. Tudo foi perfeito. Nosso passeio e nossa conversa. O beijo demorado na parte chata do filme. Mas o filme era bom. Quando queremos o beijo sempre é melhor do que uma cena de filme. Você me fez carinho na perna, mas eu travei. Tive medo do que senti. Não, não poderia ser tão rápido. Não posso, chega! A sua voz quente no meu ouvido... Era um riso, era um sussurro, eu não entendia bem. Mas só o seu movimento na minha direção já me arrancava um sorriso cúmplice. E eu guardei os ingressos daquele dia. Mesmo rasgados.